O diretor Ben Lewin teve
poliomielite aos 6 anos de idade, o que acabou lhe forçando a usar uma bengala
pelo resto da vida. Poderia ter sido muito pior, e não surpreende que tenha se
emocionado ao ler o relato de Mark O’Brien em “On seeing a sex surrogate”,
texto de um homem que também teve a mesma doença (e com a mesma idade) de
Lewin, mas que ficou confinado a passar boa parte de sua vida em um pulmão de
aço para conseguir respirar, e com quase todo o corpo paralisado e deformado
por uma doença nada misericordiosa. O relato de Mark O’Brien e sua busca por,
aos 38 anos, finalmente tentar começar uma vida sexual, em meio a temores mil,
é de fato fascinante e encontrou o receptor perfeito em um diretor naturalmente
empático ao seu suplício.
Mark O’Brien, um poeta muito mais
do que um deficiente físico, já tivera antes sua vida registrada no Cinema em Breathing
lessons: The life and work of Mark O’Brien, que ganhou o Oscar de curta de
documentário de 1996, que fora dirigido por Jessica Yu. As sessões é um filme
de ficção, mas ancorado na vida real (mais do que a maioria dos filmes que
assumem esta chancela), até por também se basear em relatos de Cheryl Cohen
Greene, a terapeuta sexual (que sempre tem que explicar que não é uma
prostituta) que tenta atender a um cliente tão inocente, reprimido e de certa
forma apavorado como Mark. Helen Hunt se interessou muito pelo filme justamente
após entrar em contato com Cheryl, onde viu o quanto esta tinha orgulho de seu
trabalho, que em sua opinião ajudava muitas pessoas como Mark a enxergarem o
sexo como algo natural. De fato As sessões é dos filmes americanos que mais
encara o ato sexual de frente, sem filtros excessivamente eróticos ou quase
místicos. Helen Hunt por diversas vezes está totalmente nua em tela, de acordo
com o estado de espírito e o profissionalismo de sua personagem. Cheryl tenta
ser a voz da aceitação e da tranquilidade a um personagem tão
compreensivelmente complexo como o de Mark, mas ela também tem seus problemas,
com a carência que sente por sentir seu marido e filho tão pouco afetuosos com
ela (Helen Hunt fez por merecer sua indicação de atriz coadjuvante no Oscar, a única do filme). As sessões tem o mérito de evitar se debruçar apenas no personagem
principal, acrescentando complexidade ao filme ao dar um certo espaço para quem
está em torno de Mark, como o padre que o aconselha (William H. Macy) e suas
ajudantes (Moon Bloodgood e Annika Marks).
Mesmo assim, é claro que o foco
principal é em Mark, e John Hawkes tem um brilhante trabalho em retratá-lo. Um
ator que vem obtendo grande destaque nos últimos anos (principalmente com
Inverno da alma e Martha Marcy May Marlene, e com atuação também em Lincoln, de
Steven Spielberg), mas que demorou muito a se firmar, atuando no Cinema desde
1985. Aparentando bem menos que a sua idade real (52 anos durante as filmagens),
ele convence neste difícil papel, onde se preparou longamente, aprendendo a
escrever e teclar num computador com a boca e, principalmente, fazendo uso do
que chamou de “bola de tortura”, uma espuma grande que colocava em suas costas
para simular a curvatura na espinha que o verdadeiro Mark O’Brien tinha. Seu
esmero foi tão grande que alguns de seus órgãos saíram de suas posições naturais,
e ele acabou tendo um real desvio de coluna que lhe causou (e ainda causa)
algumas dores. Se tal sacrifício valeu a pena só o ator pode dizer, mas ao
menos seu trabalho na tela parece impecável (foi realmente esnobado por não ter
sido indicado ao Oscar de melhor ator). Ele demonstra grande humanidade e
fragilidade, e vai conquistando os outros personagens (e o público) com sua
franqueza e suas palavras. É curioso ver como os namorados e maridos de suas
ajudantes sentem ciúmes dele, mesmo sendo um homem com limitações físicas tão
grandes. O que lhe falta em locomoção, sobra em atenção e carinho para com as
mulheres de sua vida. Após a inevitável resistência inicial que todas têm com
ele, seu lado poeta acaba se sobrepujando sobre sua aparência e limitação
física.
John Hawkes e Ben Lewin desde o
começo quiseram retratar a trama de forma a evitar qualquer autopiedade do
personagem. Isto evita que o filme seja daqueles de causar prantos coletivos no
Cinema. Curiosamente, As sessões é até um filme razoavelmente leve e bem-humorado,
que surpreende os que eventualmente o assistem com temor de encarar uma trama
barra-pesada. Talvez apenas a nudez frontal de Helen Hunt possa afastar parte
do público, pois se este aspecto não existisse poderia ser até um filme exibível de
tarde na TV aberta, dentro de poucos anos. Se tal tratamento atrai mais
público, e alivia o espírito de quem assiste o filme, em contrapartida também
tira um pouco o potencial de As sessões. É como se o diretor e roteirista Ben Lewin
tivesse exagerado ao tirar o tempero da história, fugido com tanta vontade do
pranto e da maioria das agruras da vida de Mark O’Brien, que fizesse um filme
um pouco leve demais. A mesma câmera que desnuda a Cheryl de Helen Hunt teme
chocar o público ao mostrar o corpo retorcido de Mark O’Brien, por exemplo. Ao mesmo
tempo, os temores dele no texto “On seeing a sex surrogate”, inclusive seu
fatalismo e pessimismo depois das sessões retratadas no filme, são praticamente
ignorados na trama, e lamenta-se isso pois poderia criar um enredo ainda mais
fascinante, ainda que menos triunfalista. As sessões é um filme independente
americano, exibido com sucesso no Festival de Sundance e tudo o mais, mas em alguns
aspectos se assemelha a uma produção B de grande estúdio (pelo orçamento modesto, não
pela qualidade), pois parece pensar demais na aceitação do público durante sua
produção, se esforça em criar uma obra mais palatável a todos.
Aos interessados em ver uma bela
história, muito bem atuada (principalmente por John Hawkes, Helen Hunt e
William H. Macy), com um tratamento tranquilo e frontal sobre sexo, e uma dose razoável
de romantismo inocente à moda antiga, As sessões tem tudo para satisfazer. É
daqueles pequenos filmes que deixam um gosto doce e suave na boca. Consegue a
inusitada distinção de ser um filme sobre uma vítima de poliomielite com um tom
otimista e agradável. Aos mais interessados
em uma análise mais incisiva de pessoas em situações semelhantes à de Mark O’Brien,
porém, sente-se a falta de mais tempero. Principalmente para quem experimentou
o próprio belo texto de Mark O’Brien, que gerou o filme, ou devorou obras como
o livro da brasileira (também vítima de pólio) Eliana Zagui, “Pulmão de aço”. São
obras mais abertas ao conflito interno dos personagens, e a passagens otimistas
e pessimistas, sem pesar demais para um lado ou outro. Sobrou boa vontade e
faltou um pouco de acidez para As sessões. Esta acidez pode até afastar parte
do público, mas poderia aproximar mais o filme de Ben Lewin do status de um novo
clássico, que ele poderia perfeitamente ostentar com um pouco mais de coragem.
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