Em um caso raro em Hollywood, a Warner Brothers aceitou adaptar a famosa peça de Tennessee Williams, "A streetcar named desire", seguindo quase que fielmente os pedidos de Elia Kazan, diretor já renomado no cinema (tinha até recebido um Oscar por "A luz é para todos"), que também alcançara grande sucesso no teatro justamente dirigindo esta peça, que marcou época na Broadway. Kazan conseguiu contratar diversos profissionais de outros estúdios para trabalharem no filme, o que ainda era bastante inusitado no começo da década de 50. Por extensão, vários atores também repetiram seus papéis no filme, como Marlon Brando, Kim Hunter e Karl Malden. A exceção ficou por conta de Jessica Tandy (que demoraria a marcar seu nome no cinema, em filmes como "Os pássaros" (1963), e no que lhe deu seu oscar, "Conduzindo Miss Daisy" (1989)), que foi barrada para a chegada de Vivien Leigh, a grande estrela de "...E o vento levou", que poderia trazer mais público para o cinema com a sua fama.
O filme, ridiculamente chamado de "Uma rua chamada pecado" no Brasil, tornou-se, por conseguinte, uma das mais felizes adaptações de uma obra teatral da história do Cinema. A força da peça de Tennessee Williams foi mantida, apesar das restrições da censura na época. Por conta do famigerado Código Hayes, o homossexualismo de Allan, o marido suicida de Blanche, foi ocultado no filme, e o final também foi alterado, já que um criminoso sempre tinha que ser punido no final de um filme americano desta época. Entretanto, como posteriormente ressaltou o próprio Elia Kazan, estas alterações não mudaram em quase nada o significado da história, já que o público poderia entender perfeitamente o que estava acontecendo. E o que o público via na tela (e nos palcos), poucos autores tinham a capacidade e a ousadia de mostrar – e com certeza Tennessee Williams era um deles.
Em um cenário de constante ilusão, embalada por um clima otimista pós-guerra simbolizado pela geração baby boomer, Tennessee Williams teve a sagacidade de enxergar a falsidade da suposta jóia de perfeição que o american way of life tentava vender ao mundo. Blanche du Bois, desta feita, cujo nome pode ser traduzido como “Branca do bosque”, é exatamente uma Branca de Neve sempre vestida de branco e supostamente indefesa (mas com um passado que a persegue), que foge da realidade como o diabo foge da cruz (não à toa, Hollywood simbolizava exatamente esta fuga da realidade). A própria fazenda da família, que ela perde, se chamava Belle Reve (belo sonho) – mostra do forte simbolismo das obras do autor. Quando chamada (e forçada) à luz, seus ideais e sua própria sanidade desmoronam – uma análise próxima logo desmascara seu faz-de-contas, como se vê na clássica cena que Mitch finalmente a confronta. Stanley Kowalski é o filho de imigrantes poloneses (povo historicamente gozado como burro pelos americanos), um homem bruto, de óbvio apelo sexual, estúpido e vingativo, que teme pelo seu casamento com a chegada da irmã de sua mulher à sua casa. Stella é escrava de sua paixão por Stanley: Simplesmente não consegue resistir a ele, e Stanley usa e abusa de sua sexualidade para conseguir tudo o que quer com ela – inclusive uma certa “absolvição” no final da peça original. Já Mitch é o próprio americano grandão, meio abobalhado, que vive à sombra da mãe e que enxerga em Blanche a chance de finalmente se casar e ter vida própria – mas o passado (e a realidade) de Blanche é um estigma para ambos, e um indício da tragédia que se abaterá sobre ela (e, por extensão, sobre ele também). A tragédia, aliás, está o tempo todo presente na trama.
O filme é brilhantemente interpretado por esses quatro atores, que acrescentam ainda mais força à já lendária história de Tennesse Williams. Marlon Brando teve uma atuação tão marcante que mudou para sempre a forma de se entender como deve ser uma atuação para o cinema. Influenciado no começo de sua carreira por Stella Adler, e conseqüentemente pela técnica de memória emocional de Stanislavsky, Brando transformou o termo “O Método” em um novo ideal de interpretação no cinema. A entrega de Marlon Brando para o personagem é comovente (o que é incrível, levando-se em conta que ele pessoalmente detestava tudo o que seu personagem significava), não se enxerga qualquer resquício de técnica em sua atuação – ele efetivamente É Stanley Kowalski, e sua ferocidade e selvageria explodem na tela, em um filme que lhe ergueria à condição de estrela de primeira grandeza em Hollywood (sem escalas). O público simplesmente não estava acostumado e preparado para ver uma atuação de tamanha selvageria, e estava ainda menos preparado para a sensualidade de Brando, desfilando metade do filme com uma camisa suada colada ao corpo (o que ajudou a atrair ainda mais o público feminino), agredindo a mulher e sendo sempre perdoado como um garanhão irresistível para ela. Seu magnetismo era tão grande que o público de suas apresentações na Broadway acabava por ficar dividido entre Blanche e Stanley, o que era um contra-senso ao se analisar o enredo de Tennessee Williams.
Elia Kazan, com sagacidade, viu isso e equilibrou mais o filme neste sentido, colocando como Blanche uma Vivien Leigh ainda sensual e famosa, atraindo com isso a simpatia do público por essa trágica personagem (e que ainda tinha a vantagem de já ter interpretado o mesmo papel na montagem britânica da peça, sob a batuta de Laurence Olivier). Claro que Vivien Leigh teve a difícil tarefa de substituir Jessica Tandy, o que já lhe trouxe um pouco de antipatia pela classe de atores a princípio, e a deixou se sentindo um peixe fora d’água frente ao elenco da peça, fator este que foi explorado por Kazan para criar um ainda maior sentido de alienação para a sua personagem. Vivien Leigh carrega com garra o filme (que é um pouco mais focado em Blanche do que era a peça original, conforme o desejo de Kazan) e é parte de sua força motriz. Críticas surgiram por causa de um certo exagero em sua composição da personagem, de que estaria forçando demais as auto-ilusões e devaneios de Blanche, mas sua tour-de-force neste filme exigia uma atuação mais “quente” – o filme perderia muito se ele tivesse uma atuação contida à la “Laurence Olivier” (seu marido na época – apesar de que ela creditava sua atuação mais ao marido que a Elia Kazan). Até mesmo sua loucura pessoal (era bipolar e sofria de constantes depressões) a ajudou na composição de Blanche – conforme confirmou o próprio Brando, que era um dos que a preferiam em relação a Jessica Tandy. Francamente, apesar de todo o cartaz, o fato é que é difícil enxergar Jessica Tandy neste papel. Kim Hunter é outra que se saiu magnificamente bem, compondo com maestria uma personagem erotizada em uma época em que isto não podia ser exibido claramente. Mas ela trafega com classe nesta linha tênue entre a censura e a sub-representação, assim como o faz sua própria personagem, pega no fogo cruzado entre seu marido e sua irmã, entre o desejo e a fraternidade, entre o real e o ilusório, o concreto e o abstrato. E Karl Malden demonstra que não era um dos atores preferidos de Elia Kazan à toa: Seu Mitch também está preso entre a respeitabilidade e o desejo. Ele quer Blanche, mas não consegue ignorar a sociedade e o olhar inquisitório de sua mãe. O ator depois disse que interpretou o personagem como um homem que, apesar de ser visto como alguém que ama a sua mãe, na verdade a odeia, pela castração que lhe causa. Uma prova de como um sub-texto criado pelo ator pode enriquecer em sua composição e, conseqüentemente, o próprio filme, que é todo ancorado nestes grandes atores. O filme, aliás, é uma prova em celulóide da riqueza que bons atores podem acrescer a uma trama, principalmente à uma deste calibre.
Elogios também devem ser dirigidos a Elia Kazan, ele mesmo um ator no começo da carreira (apesar de medíocre), que soube trabalhar com maestria o potencial que tinha em mãos. Sua direção é sensível e explora o melhor de cada ator e personagem – tanto que era respeitado por todo o elenco e era um dos poucos que Marlon Brando realmente creditava como um de seus mentores (ao contrário de Lee Strasberg, que ele costumava dizer que se aproveitava de sua fama se intitulando “o criador de Marlon Brando”). Seu perfeccionismo chegou ao ponto de ordenar a “diminuição” do tamanho do set da casa de Stanley, para aumentar a sensação de claustrofobia de Vivien Leigh enquanto seu drama avançava. Com todos esses fatores, "Uma rua chamada pecado" não só é um dos grandes filmes da história do Cinema, como também é um dos poucos filmes que mudaram efetivamente esta mesma história – depois dele, o padrão de atuação no cinema teve que ser erguido.
O filme ganhou Oscar em 3 das quatro categorias de atuação em 1951 (Vivien Leigh, Karl Malden e Kim Hunter), fato até hoje apenas igualado por "Rede de intrigas", em 1976. Marlon Brando foi vítima de um prêmio sentimental para Humphrey Bogart (vencedor por "Uma aventura na África" – uma boa atuação, mas não há como compará-la à de Brando), que também sofrera injustiças ao perder por "Casablanca" e nem ser indicado por "O tesouro de Sierra Madre". Mas depois Marlon Brando receberia o seu Oscar (e depois até esnobaria outro...). Sua performance é uma aula de atuação do começo ao fim, e talvez tenha sido mesmo o seu maior momento no cinema, ele que é sempre considerado um dos grandes atores da sétima arte (se não O maior de todos eles).
O filme, ridiculamente chamado de "Uma rua chamada pecado" no Brasil, tornou-se, por conseguinte, uma das mais felizes adaptações de uma obra teatral da história do Cinema. A força da peça de Tennessee Williams foi mantida, apesar das restrições da censura na época. Por conta do famigerado Código Hayes, o homossexualismo de Allan, o marido suicida de Blanche, foi ocultado no filme, e o final também foi alterado, já que um criminoso sempre tinha que ser punido no final de um filme americano desta época. Entretanto, como posteriormente ressaltou o próprio Elia Kazan, estas alterações não mudaram em quase nada o significado da história, já que o público poderia entender perfeitamente o que estava acontecendo. E o que o público via na tela (e nos palcos), poucos autores tinham a capacidade e a ousadia de mostrar – e com certeza Tennessee Williams era um deles.
Em um cenário de constante ilusão, embalada por um clima otimista pós-guerra simbolizado pela geração baby boomer, Tennessee Williams teve a sagacidade de enxergar a falsidade da suposta jóia de perfeição que o american way of life tentava vender ao mundo. Blanche du Bois, desta feita, cujo nome pode ser traduzido como “Branca do bosque”, é exatamente uma Branca de Neve sempre vestida de branco e supostamente indefesa (mas com um passado que a persegue), que foge da realidade como o diabo foge da cruz (não à toa, Hollywood simbolizava exatamente esta fuga da realidade). A própria fazenda da família, que ela perde, se chamava Belle Reve (belo sonho) – mostra do forte simbolismo das obras do autor. Quando chamada (e forçada) à luz, seus ideais e sua própria sanidade desmoronam – uma análise próxima logo desmascara seu faz-de-contas, como se vê na clássica cena que Mitch finalmente a confronta. Stanley Kowalski é o filho de imigrantes poloneses (povo historicamente gozado como burro pelos americanos), um homem bruto, de óbvio apelo sexual, estúpido e vingativo, que teme pelo seu casamento com a chegada da irmã de sua mulher à sua casa. Stella é escrava de sua paixão por Stanley: Simplesmente não consegue resistir a ele, e Stanley usa e abusa de sua sexualidade para conseguir tudo o que quer com ela – inclusive uma certa “absolvição” no final da peça original. Já Mitch é o próprio americano grandão, meio abobalhado, que vive à sombra da mãe e que enxerga em Blanche a chance de finalmente se casar e ter vida própria – mas o passado (e a realidade) de Blanche é um estigma para ambos, e um indício da tragédia que se abaterá sobre ela (e, por extensão, sobre ele também). A tragédia, aliás, está o tempo todo presente na trama.
O filme é brilhantemente interpretado por esses quatro atores, que acrescentam ainda mais força à já lendária história de Tennesse Williams. Marlon Brando teve uma atuação tão marcante que mudou para sempre a forma de se entender como deve ser uma atuação para o cinema. Influenciado no começo de sua carreira por Stella Adler, e conseqüentemente pela técnica de memória emocional de Stanislavsky, Brando transformou o termo “O Método” em um novo ideal de interpretação no cinema. A entrega de Marlon Brando para o personagem é comovente (o que é incrível, levando-se em conta que ele pessoalmente detestava tudo o que seu personagem significava), não se enxerga qualquer resquício de técnica em sua atuação – ele efetivamente É Stanley Kowalski, e sua ferocidade e selvageria explodem na tela, em um filme que lhe ergueria à condição de estrela de primeira grandeza em Hollywood (sem escalas). O público simplesmente não estava acostumado e preparado para ver uma atuação de tamanha selvageria, e estava ainda menos preparado para a sensualidade de Brando, desfilando metade do filme com uma camisa suada colada ao corpo (o que ajudou a atrair ainda mais o público feminino), agredindo a mulher e sendo sempre perdoado como um garanhão irresistível para ela. Seu magnetismo era tão grande que o público de suas apresentações na Broadway acabava por ficar dividido entre Blanche e Stanley, o que era um contra-senso ao se analisar o enredo de Tennessee Williams.
Elia Kazan, com sagacidade, viu isso e equilibrou mais o filme neste sentido, colocando como Blanche uma Vivien Leigh ainda sensual e famosa, atraindo com isso a simpatia do público por essa trágica personagem (e que ainda tinha a vantagem de já ter interpretado o mesmo papel na montagem britânica da peça, sob a batuta de Laurence Olivier). Claro que Vivien Leigh teve a difícil tarefa de substituir Jessica Tandy, o que já lhe trouxe um pouco de antipatia pela classe de atores a princípio, e a deixou se sentindo um peixe fora d’água frente ao elenco da peça, fator este que foi explorado por Kazan para criar um ainda maior sentido de alienação para a sua personagem. Vivien Leigh carrega com garra o filme (que é um pouco mais focado em Blanche do que era a peça original, conforme o desejo de Kazan) e é parte de sua força motriz. Críticas surgiram por causa de um certo exagero em sua composição da personagem, de que estaria forçando demais as auto-ilusões e devaneios de Blanche, mas sua tour-de-force neste filme exigia uma atuação mais “quente” – o filme perderia muito se ele tivesse uma atuação contida à la “Laurence Olivier” (seu marido na época – apesar de que ela creditava sua atuação mais ao marido que a Elia Kazan). Até mesmo sua loucura pessoal (era bipolar e sofria de constantes depressões) a ajudou na composição de Blanche – conforme confirmou o próprio Brando, que era um dos que a preferiam em relação a Jessica Tandy. Francamente, apesar de todo o cartaz, o fato é que é difícil enxergar Jessica Tandy neste papel. Kim Hunter é outra que se saiu magnificamente bem, compondo com maestria uma personagem erotizada em uma época em que isto não podia ser exibido claramente. Mas ela trafega com classe nesta linha tênue entre a censura e a sub-representação, assim como o faz sua própria personagem, pega no fogo cruzado entre seu marido e sua irmã, entre o desejo e a fraternidade, entre o real e o ilusório, o concreto e o abstrato. E Karl Malden demonstra que não era um dos atores preferidos de Elia Kazan à toa: Seu Mitch também está preso entre a respeitabilidade e o desejo. Ele quer Blanche, mas não consegue ignorar a sociedade e o olhar inquisitório de sua mãe. O ator depois disse que interpretou o personagem como um homem que, apesar de ser visto como alguém que ama a sua mãe, na verdade a odeia, pela castração que lhe causa. Uma prova de como um sub-texto criado pelo ator pode enriquecer em sua composição e, conseqüentemente, o próprio filme, que é todo ancorado nestes grandes atores. O filme, aliás, é uma prova em celulóide da riqueza que bons atores podem acrescer a uma trama, principalmente à uma deste calibre.
Elogios também devem ser dirigidos a Elia Kazan, ele mesmo um ator no começo da carreira (apesar de medíocre), que soube trabalhar com maestria o potencial que tinha em mãos. Sua direção é sensível e explora o melhor de cada ator e personagem – tanto que era respeitado por todo o elenco e era um dos poucos que Marlon Brando realmente creditava como um de seus mentores (ao contrário de Lee Strasberg, que ele costumava dizer que se aproveitava de sua fama se intitulando “o criador de Marlon Brando”). Seu perfeccionismo chegou ao ponto de ordenar a “diminuição” do tamanho do set da casa de Stanley, para aumentar a sensação de claustrofobia de Vivien Leigh enquanto seu drama avançava. Com todos esses fatores, "Uma rua chamada pecado" não só é um dos grandes filmes da história do Cinema, como também é um dos poucos filmes que mudaram efetivamente esta mesma história – depois dele, o padrão de atuação no cinema teve que ser erguido.
O filme ganhou Oscar em 3 das quatro categorias de atuação em 1951 (Vivien Leigh, Karl Malden e Kim Hunter), fato até hoje apenas igualado por "Rede de intrigas", em 1976. Marlon Brando foi vítima de um prêmio sentimental para Humphrey Bogart (vencedor por "Uma aventura na África" – uma boa atuação, mas não há como compará-la à de Brando), que também sofrera injustiças ao perder por "Casablanca" e nem ser indicado por "O tesouro de Sierra Madre". Mas depois Marlon Brando receberia o seu Oscar (e depois até esnobaria outro...). Sua performance é uma aula de atuação do começo ao fim, e talvez tenha sido mesmo o seu maior momento no cinema, ele que é sempre considerado um dos grandes atores da sétima arte (se não O maior de todos eles).
Nenhum comentário:
Postar um comentário