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terça-feira, 13 de novembro de 2012

O sucesso a qualquer preço (Glengarry Glen Ross – 1992)




Jack Lemmon, Al Pacino, Ed Harris, Alan Arkin, Kevin Spacey, Alec Baldwin e Jonathan Pryce no elenco. Roteiro de David Mamet, adaptado de sua própria peça ganhadora do prêmio Pulitzer. O sucesso a qualquer preço apresenta um Curriculum Vitae daqueles recheados, que impressionam qualquer um. Mas o impacto não fica só na ficha técnica do filme. Este é um caso raro em que muitos concordam que o roteiro do filme ficou superior ao texto teatral, um estudo fascinante sobre a desesperança, a selvageria e a imoralidade de homens e negócios que se esfarelam em si mesmos. Talvez isto explique que o filme, mesmo sendo uma produção modesta (com esses atores famosos todos aceitando trabalhar por salários reduzidos, para os seus padrões), tenha dado prejuízo quando foi lançado, e mal conseguindo uma indicaçãozinha vagabunda no Oscar para Al Pacino como melhor ator coadjuvante (justamente no mesmo ano que ele ganhou como melhor ator por Perfume de mulher). Um pouco relegado em seu tempo, O sucesso a qualquer preço, porém, logo alcançou o status de cult movie, e já pode ser considerado um clássico dos anos 90.

O elenco e o roteiro são chaves para a empreitada. Se tem um filme que mostra o quão estreita é a teoria do cineasta-autor (presente desde os anos 60, que tentou botar ênfase demais na importância de um diretor para qualquer filme), é esse aqui. O sucesso a qualquer preço foi dirigido por James Foley (o que até confunde muita gente, que acredita que foi o próprio Mamet quem dirigiu). Diretor de filmes como Quem é essa garota? e Um dia para relembrar, James Foley consegue sucesso ao adaptar a peça cinematograficamente. Fica óbvio que é uma adaptação de uma peça de teatro, pelo uso de muitos diálogos e poucos cenários, mas ele impõe um bom ritmo ao filme, nunca o tornando chato, até por entender que faria besteira se quisesse aparecer com planos muito elaborados. Seu grande mérito foi entender que, neste caso, o papel do diretor do filme tinha que ficar em segundo plano para o enredo e o trabalho dos atores. E, em ambos os casos, o resultado em tela é fenomenal. O enredo é muito instigante, com diversos diálogos rápidos, cortantes e por vezes engraçados, bem no estilo de David Mamet (contando com inúmeros palavrões, inclusive). A história gira em torno de quatro corretores de imóveis, Ricky Roma (Al Pacino), Shelley Levene (Jack Lemmon), Dave Moss (Ed Harris) e George Aaronow (Alan Arkin), que se veem em situação difícil ao serem ameaçados de demissão se não ficarem em primeiro ou segundo lugar entre os vendedores do mês. Mas eles não são corretores de imóveis comuns. Eles trabalham para uma firma picareta, que lida com terrenos imprestáveis, e que só entrega aos vendedores fichas de clientes ultrapassadas, onde conseguir uma venda é quase um trabalho de Hércules.

O discurso inicial de Blake (Alec Baldwin) já puxa o pino da granada e mostra que, dessa vez, a guerra será ainda mais sangrenta do que já é habitualmente entre os vendedores. Uma cena lendária (que não existe na peça, inclusive o próprio Blake foi criado para o filme), onde Alec Baldwin utiliza seus únicos minutos em tela para dar uma aula de postura yuppie, capitalismo selvagem e humilhação conjunta, não deixando nem o pobre do Levene tomar o seu cafezinho, pois, para Blake, somente pode tomar café quem fecha negócios. Só quem escapa do esporro coletivo é Ricky Roma, justamente o líder dos vendedores (está em primeiro lugar no quadro de vendas, o que é sempre um lembrete visual incômodo de quem está ganhando a corrida), que naquele momento está usando toda sua lábia de vendedor para empurrar um desses bizarros terrenos na Flórida para o pobre James Lingk (Jonathan Pryce). O sucesso a qualquer preço é, entre muitas outras coisas, uma aula cinematográfica de vendas (não à toa, é mostrado em inúmeras empresas que lidam com vendas, para se mostrar aos novatos o que fazer, e também o que não fazer de jeito nenhum). Serve tanto para vendedores como também para clientes que assistem o filme, para ficarem mais espertos e ligados nas lábias de vendedores e evitarem comprar lixo por lebre. Os macetes, o raciocínio ultra-rápido, a aguda observação que os vendedores fazem de seus clientes, são impressionantes e colorem alguns dos melhores momentos do filme. O que Ricky Roma faz com o seu (quase) indefeso cliente é coisa de cinema (literalmente), e Levene também faz das suas, tentando passar a impressão, só com seu tom de voz, de que é um executivo importante e bem assessorado, e não um corretor de imóveis quebrado e desesperado, no fim de carreira, de uma firma vagabunda e fraudulenta, de fundo de quintal, e ainda ligando de um orelhão. Sim, o filme é da época em que celulares ainda não faziam parte das facilidades da profissão, deixando os corretores ainda mais dependentes da empresa e das intempéries.

O elenco todo brilha como pouco brilhou em outros filmes. Nenhum ator precisou fazer testes para o filme, mas Jack Lemmon, um vencedor de dois Oscars, respeitadíssimo no meio, disse que teria aceitado na hora fazê-los, se fosse necessário, como se fosse um principiante, tal a força do roteiro de David Mamet. Al Pacino mereceu a indicação para o Oscar, deslizando malícia como Ricky Roma, mas na verdade dava para indicar e premiar o elenco inteiro. Jack Lemmon talvez tenha tido a melhor atuação de sua vida aqui, e isto de uma carreira que começara nos anos 50, repleta de grandes filmes e interpretações (ao menos ele ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza por este filme). Seu Levene é tocante, um homem no fim de suas forças, mas que continua fazendo de tudo para tentar ajudar sua filha no hospital. Mas está longe de ser um coitadinho, pois também é inescrupuloso e sabe atacar e ridicularizar muito bem Williamson, interpretado por um então novato Kevin Spacey (foi um de seus primeiros papéis de destaque no Cinema), que tenta controlar aqueles quatro egos gigantescos e feridos, sendo agredido o tempo todo com palavrões e ataques de baixo nível. O Moss de Ed Harris é o mais rancoroso de um ambiente já repleto de rancor, pois não aceita de jeito nenhum que Ricky Roma tenha mais sucesso que ele, e pensa mais em sair da firma (e inclusive em lesá-la) do que em tentar fechar aquelas quase impossíveis vendas. E o George de Alan Arkin é o loser completo da turma, alguém que já não passa mais a menor confiança e que só reclama, quase como se fosse um porco berrando ao saber que será degolado. Papéis ricos e complexos, interpretados por grandes atores, no auge de suas carreiras. Um luxo. A ponto de os atores comparecerem no estúdio mesmo em dias que não teriam que interpretar, só para ver os colegas atuando. Não dava para perder aquilo ao vivo, de jeito nenhum. 

O filme só tem uma figurante feminina, o que realça ainda mais a descarga de testosterona que o enredo apresenta. James Foley reconheceu que tratou o filme, desde o início, como se fosse um documentário sobre a vida animal. E isso é chave para se entender O sucesso a qualquer preço, um filme sem qualquer traço de amizade ou real companheirismo, e onde qualquer noção de moralismo é logo vista como coisa de fracos e derrotados. Assistimos ali à Lei da selva urbana, onde os corretores predadores só pensam em dilacerar suas presas, os pobres clientes. A forma como se referem a eles, inclusive, mostra que não são corretores comuns. Eles não querem ver o cliente bem, feliz, satisfeito. Querem vender para eles terrenos imprestáveis e sumir do mapa o mais rápido possível, antes que eles inevitavelmente percebam que caíram no conto do corretor-vigário. O texto de David Mamet tem algumas semelhanças com A morte do caixeiro-viajante, de Arthur Miller (outra peça lendária no teatro americano). Mas enquanto Willy Loman era apenas um loser na peça de Miller, alguém que viu o sonho americano desabar, assim como qualquer esperança, se ele visitasse a firma de O sucesso a qualquer preço seria defenestrado do começo ao fim, e choraria de amargura sentado ao meio-fio, pensando em como era feliz antes, e não sabia (se bobear, ele até cairia na lábia dos vendedores e compraria um terreno vagabundo). A realidade é brutal no filme, mas é quase impossível tirar os olhos dela. Porque os predadores são ágeis e esguios, e quase não sobrou mais nenhuma presa para eles abaterem. A fome começa a bater, assim como a necessidade de se afirmar como o macho alfa da espécie. Ai dos vencidos. E, de certa forma, ai dos vencedores também. Porque sabem que, se não forem devorados agora, logo o serão, por alguém igualmente implacável. 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Post tenebras lux (2012)




Luz após a escuridão. Seria essa, de certa forma, a tradução para o português do título em latim do filme. Mas não é exatamente essa a impressão que fica ao término do filme, para a quase totalidade dos espectadores. Isso porque o diretor Carlos Reygadas, como vêm deixando claro em sua curta filmografia (Luz silenciosa Batalha no céu, entre outros), não pretende realmente deixar nada tão claro assim. Ele despreza o cinema narrativo, e afirma que o Cinema deve ser livre, mais parecido com a música no sentido de evocar sentimentos, do que como um veículo para se fazer uma espécie de teatro filmado ou literatura em imagens. É uma postura que ele carrega em Post tenebras lux, e que pode incomodar muito a uma parte do público desacostumada a um filme com um fiapo de enredo, e composto de várias cenas que por vezes parecem desconexas. 

Curiosamente, é possível se absorver mais o significado do filme pesquisando sobre o diretor, após o filme, do que simplesmente assistindo Post tenebras lux. Sente-se que se trata de um filme com viés autobiográfico, e saber que o diretor jogou Rugby a ponto de ser membro da seleção mexicana, que morou 12 anos na Europa (Bélgica, Espanha e Inglaterra), que trabalhou como advogado, que descobriu sua nova paixão ao ver filmes de Andrei Tarkovsky e Michelangelo Antonioni, e acha vital trabalhar com não-atores e com locações naturais (quase no estilo Dogma 95 mesmo), ajuda a dar um mínimo de sentido ao que se viu. Mas tais informações tanto podem servir como algo complementar ao filme, para muitos espectadores, como até algo desnecessário, para outros, pois no filme de Reygadas a emoção que cada cena traz a quem a assiste pode importar mais do que a compreensão do todo que ele poderia vir a ter.

É nítido que um filme como Post tenebras lux vai se fazendo naturalmente, através da escolha dos atores (estreantes no Cinema) para viverem seus personagens, pela descoberta de locações, pelos sons desses lugares... Assim como a fotografia utilizada, que por várias vezes foca apenas no centro, desfocando nas beiradas da imagem, passando uma ideia de imagem onírica, talvez egressa de uma memória infantil. A fotografia de Alexis Zabe (que também trabalhou brilhantemente em Luz silenciosa), aliás, é um desbunde, e valoriza muito o filme, principalmente por ele focar tanto na experiência sensorial do público, e não do que ele apreende de um roteiro. Todos estes elementos são fundamentais para o diretor se expressar na tela, e ele o faz através de várias cenas rurais, onde o embate civilização versus natureza é constante, e a sexualidade e a brutalidade são naturais como o nascer e o pôr do Sol. Carlos Reygadas é um diretor autoral como poucos, daqueles muito mais interessados em fazer os seus próprios filmes do que ver os filmes dos outros. A base de seu Cinema não é cinematográfica, como é tão comum em tantos diretores, mas sim pessoal, calcada em sua vida, e não do que viu em filme X ou Y.

Ao final da experiência, porém, devido à filosofia do diretor, é difícil não ficar com a impressão que Post tenebras lux é um filme formado por várias cenas muito belas, mas que formam um todo estranho, desconexo, insatisfatório, incompleto. Algo muito raro de se ver por aí, mas que parece que tende a se tornar comum no cinema extremamente pessoal e íntimo de Carlos Reygadas. Um roteirista tradicional poderia auxiliá-lo a criar um filme mais coeso e compreensível, mas Reygadas fugiria dele como o diabo foge da cruz. A busca de uma maior clareza para “ajudar” o público traria exatamente a morte de seu Cinema tão pessoal e intransferível, que se encontra na natureza, na escuridão, na penumbra, e não na luz e num saber estabelecido. Um Cinema de um homem único, feito para poucos (dentre eles, o Júri de Cannes, que lhe deu o prêmio de melhor diretor por este filme), e ignorado e/ou incompreendido por quase todos. Um Cinema que encanta, decepciona, atordoa e desnorteia. E que não pode ser repetido, com seus méritos e falhas, por mais ninguém. Difícil ser mais autoral que isso.