quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Todos os homens do Presidente (All the President’s men – 1976)




Todos os homens do Presidente é um tipo de filme que não é mais feito. Não tanto em relação ao seu gênero, pois vários outros filmes de viés político foram realizados desde então. Muitos, inclusive, assim como ele, baseados em fatos reais. Mas enquanto 99,99% dos filmes políticos usam e abusam da elasticidade do conceito de serem baseados em fatos reais, o filme de Alan J. Pakula cumpre o prometido. Não se tem aqui personagens inventados, e exagero nas situações, para “aumentar a dramaticidade”. Todos os homens do Presidente não tem um tiro sequer, aliás nem aparece uma arma no filme inteiro. Não há sombra daquelas cenas de sempre, dos personagens principais tendo que aturar a ladainha de esposas ou namoradas, que imploram para que abandonem um projeto tão perigoso. Ou então das igualmente batidas cenas onde um personagem resume em algumas frases tudo o que aconteceu até então, para dar uma mãozinha ao espectador mais distraído. Nada disso. O filme acompanha com veracidade a dura e exaustiva vida de dois repórteres investigativos do Washington Post, Bob Woodward (Robert Redford) e Carl Bernstein (Dustin Hoffman), no percurso de perscrutar todo o caso Watergate, que ao cabo de alguns anos acarretaria na renúncia ao cargo do Presidente Richard Nixon. E o espectador tem que ralar um pouco também, se lembrando de vários nomes citados, e mantendo a atenção o tempo todo, para não perder o fio da meada.

O filme já presume de cara, inclusive, que o espectador tenha um mínimo de familiaridade com o assunto. Na época isso foi facilitado, por o filme ter surgido apenas dois anos após a renúncia de Nixon, com o assunto ainda quente na cabeça do público (um caso de bater no ferro enquanto ele ainda estava quente). Ao contrário do que queria o diretor, e o próprio Robert Redford (também produtor do filme, de forma muito atuante), eles não puderam filmar no próprio Washington Post, não porque o jornal tenha criado empecilhos (longe disso, e no final das contas todos adoraram o filme, que exalta a atuação do jornal), mas porque curiosamente os jornalistas ficam se maquiando e “atuando” para a câmera, mesmo em segundo plano, atrapalhando o filme. Mas a reconstituição daquele local foi tão bem-feita em estúdio, que até impressionou quem trabalhava lá. O filme tem mesmo esse esmero, e, ainda mais, o respeito pela verdade dos fatos, sem querer romancear uma situação por si só tão marcante. Todos os componentes do filme funcionam bem, como a fotografia de Gordon Willis (as cenas onde aparece o “Garganta profunda” de Hal Holbrook demonstram o típico uso de sombras adorado por ele), a direção de arte, o som, a edição (todas essas categorias foram indicadas ao Oscar, e direção de arte e som ganharam), mas estão claramente a serviço, assim como os atores, do bom funcionamento do roteiro de William Goldman, uma adaptação do livro homônimo dos próprios Bob Woodward e Carl Bernstein, que viraram lenda no jornalismo americano e mundial por suas atuações neste caso.

O roteiro é empolgante, e demonstra com presteza a constante frustração dos jornalistas lidando, o tempo todo, com portas fechadas em suas caras e gente que não quer falar nada com eles. Eles vivem de encontrar pequenas brechas, e de aproveitar insinuações ou hesitações de seus entrevistados, para seguir adiante. É uma vida inglória, ainda mais sendo constantemente aconselhados a abandonarem toda aquela história por jornalistas graduados, como os interpretados por Martin Balsam e Jack Warden. O que os incentiva, e mesmo assim não muito, é Ben Bradlee (Jason Robards), o chefão do jornal, que aos poucos começa a entender o potencial de tudo aquilo. O elenco do filme é especial, contando ainda com pequenas participações de Ned Beatty e Jane Alexander (que foi indicada ao Oscar de coadjuvante por seu breve papel), e uma pontinha de F. Murray Abraham no começo da carreira. Todos atuam de forma muito competente e valorizam o enredo. Jason Robards, inclusive, ganhou seu primeiro Oscar de coadjuvante pelo filme (ganharia outro no ano seguinte, por Júlia). Um pouco injusto, pois competiu com Burgess Meredith (Rocky) e Laurence Olivier (Maratona da morte), que estavam mais inspirados, mas sua atuação é muito sólida, assim como de Hal Holbrook e dos dois atores principais, astros de primeira grandeza. Mas, mesmo com elenco tão estelar, é o roteiro quem mais brilha, tudo gira em torno dele (esse sim, um Oscar indiscutível que o filme recebeu). Se ele não funcionasse, o filme teria sido logo esquecido. Felizmente, porém, ele é muito eficiente, ajudou a tornar o filme um sucesso (inclusive popular, algo raro para um filme político), e a tornar Todos os homens do Presidente um marco para o cinema americano.

O filme teve o mérito também de mostrar que o caso Watergate não se relaciona só com o que aconteceu no hotel Watergate, com a invasão de um escritório do partido Democrata por Republicanos incautos. Os repórteres souberam seguir um dos lemas do filme, “follow the money” (sigam o dinheiro). Pelos pagamentos efetuados, logo descobriram conexões que os permitiram seguir adiante nas investigações, descobrindo que na verdade os Republicanos foram “invasivos” bem mais do que apenas uma vez. Não é todo dia que o trabalho incansável de dois jornalistas, então desconhecidos, muda tanto os rumos de um país. Também não é todo dia que se faz um filme como Todos os homens do Presidente. Um filme que não alivia a barra de ninguém (nem do público, que não tem vida fácil o assistindo). Que se baseia nos fatos sem querer ficar reescrevendo-os para que pareçam ainda mais “emocionantes”. Há que se ter coragem e disposição para continuar insistindo neste caminho, mesmo com tantos conselhos em contrário. Bob Woodward e Carl Bernstein fizeram escola, assim como os produtores, o diretor e o roteirista do filme inspirado nos esforços deles. Se hoje quase não existem mais repórteres investigativos, ou filmes tão honestos em seus propósitos, daqueles que teimam em seguir até o fim suas filosofias mesmo contra todos os prognósticos, não é culpa de nenhuma dessas pessoas. Elas fizeram suas partes, e obtiveram grande sucesso, com a renúncia de um Presidente reeleito (e hoje vilipendiado), e um clássico do Cinema americano para comprovar isso.  

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