domingo, 30 de dezembro de 2012

Juventude (Sommarlek – 1951)




Egresso do teatro, Ingmar Bergman sempre trabalhou em equipe, mantendo em torno de si um grupo de atores e profissionais conhecidos. É quase impossível citar os nomes de Liv Ullmann, Ingrid Thulin, Max Von Sydow, Harriet Andersson, Gunnar Björnestrand, Erland Josephson e Sven Nykvist, dentre muitos outros, sem que o de Ingmar Bergman venha a tiracolo. Com eles, trabalhou em dezenas de filmes, em um ritmo quase incessante. Mas, antes da época em que trabalhou com esses famosos profissionais, Bergman trabalhou continuamente com outros, bem menos famosos, que ajudaram a emoldurar o começo de sua carreira. Juventude é um filme desta fase da sua vida, onde seus parceiros constantes eram o diretor de fotografia Gunnar Fischer (tão brilhante como Sven Nykvist), o co-roteirista Herbert Grevenius, e atores como Maj-Britt Nilsson, Birger Malmstem, Alf Kjellin (ator principal de Hets, de 1944, filme com roteiro de Bergman, que o projetou para o Cinema) e Stig Olin (que trabalhou com Bergman em dezenas de filmes, e foi o pai da atriz Lena Olin).

Há um certo consenso geral de que Juventude seria o primeiro grande filme de Ingmar Bergman. Isto é um pouco discutível, pois o diretor já tinha feito alguns belos filmes antes, mais notadamente Prisão e Porto. Mas, de fato, Juventude representa quase que um ponto de partida para o que seria a carreira de Bergman futuramente. O próprio diretor depois reconheceu que foi a partir deste filme que ele finalmente se sentiu seguro como um diretor de Cinema, onde ele finalmente entendeu como trabalhar com todos os ingredientes do Cinema para melhor se expressar. Mas a força e o simbolismo do filme não repousam apenas nesta sensação de segurança de Bergman. Em Juventude nota-se vários temas que seriam bastante explorados no Cinema de Bergman, como a relação com a morte (há até uma inusitada cena de xadrez com de um padre com uma personagem que brinca ao se intitular como “a morte”, que, claro, remete diretamente à cena clássica de O sétimo selo), cenas envolvendo encenações (mesmo neste caso envolvendo Balé, e não o teatro propriamente dito), com personagens sofridos, que criam fachadas como defesa para si mesmos, mas quando se expressam o fazem de forma seca e audaz, além de usar como cenário uma ilha distante de tudo. Tem até personagens comendo morangos silvestres, mais um prenúncio de um futuro clássico absoluto do diretor.

Ou seja, em resumo, Juventude é puro Bergman, mesmo que em uma versão um pouco mais leve do que de costume (só um pouco, Bergman é Bergman). Um retrato do que seria o futuro dele, aliada a uma visão nostálgica de seu passado, já que ele tivera um breve romance de verão que terminara de forma abrupta, semelhante ao que ocorre no filme. Não à toa as cenas entre Marie (Maj-Britt Nilsson) e Henrik (Birger Malmsten) tem todo um frescor que as outras cenas com Marie não apresentam, onde ela já é mais velha e não tem mais nenhum brilho nos olhos. O filme lida muito bem com estas transições temporais entre a Marie já bailarina, que leva a vida no automático, com uma fachada quase imperturbável, e uma quase irreconhecível Marie que perambula pela ilha aos sorrisos e beijos com seu igualmente jovem namorado. Bergman mostra o que aconteceu com Marie para mudar tanto em poucos anos, mas sabe também deixar nas entrelinhas sua bizarra relação com seu tio (com um incômodo teor sexual, principalmente por parte dele), assim como a satisfatória (mas não muito mais do que isso) relação contemporânea dela com David (Alf Kjellin), tão diferente da que tivera com Henrik. As atuações de todo o elenco, sem exceção, são de primeiro nível, dos atores principais aos coadjuvantes. Bergman não agregava pessoas ao seu redor sem motivo, trabalhar com ele era praticamente a garantia de se ter uma bela atuação em tela. A mesma excelência se verifica na sublime fotografia de Gunnar Fischer. Seu trabalho enobrece a obra de qualquer diretor, a atuação de qualquer ator, e o prazer de qualquer cinéfilo.

O filme tem uma leve escorregada em uma breve (e bem tola) cena de animação, que nem parece fazer parte do filme, mas logo se levanta e caminha para a estrada das grandes obras, uma estrada que tantos filmes de Bergman caminharam com louvor. Juventude é um filme à primeira vista simples, mas que recompensa o espectador que o assiste mais de uma vez, para ver alguns detalhes que podem passar despercebidos em uma única análise. O que já dá para se ver de primeira é que se trata de um belíssimo filme, com uma tocada suave e decidida, de um diretor que encontrara sua voz, e que não a calaria nas décadas seguintes, marcando a história do Cinema, do teatro e até da televisão neste período. A câmera e a caneta de Bergman sempre souberam encontrar o calor na gélida Suécia, mesmo que ele estivesse escondido no passado de uma personagem, ou disfarçado em semblantes frios e impassíveis, assim como ver a frieza por trás de alguns sorrisos falsos e educados. Um diretor perfeito para o Cinema, que sabia quando iluminar a sombra, e escurecer a luz.  

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