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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Pietà (피에타 - 2012)




Não existe geração espontânea em filmes autorais. Esses filmes nascem da vivência do diretor/roteirista, e consequentemente tanto colhem os frutos como pagam o preço disso. Kim Ki-Duk nasceu na Coréia do Sul e levou uma vida muito dura, mal estudando (num país que preza muito o estudo) e trabalhando desde cedo na lavoura ou em fabriquetas de fundo de quintal (estas são muito bem retratadas em Pietà, aliás). Num arroubo de coragem, juntou tudo o que tinha, que mal deu para comprar uma passagem só de ida para Paris, e lá viveu como um pintor de retratos na rua. Viu O silêncio dos inocentes, seu primeiro filme na vida, na cidade-luz (tendo mais de 30 anos de idade), e que mudou sua trajetória para sempre. Aprendeu Cinema fazendo, com filmes de baixíssimo orçamento, e sempre enfrentando a ira e o desprezo da crítica e do público coreano (ele é um exemplo clássico do provérbio que diz que “ninguém é profeta em sua terra”, obtendo muito mais sucesso no exterior do que dentro de seu país). Uma vida de viés marginal com muita luta, rejeição, baseada na coragem, obstinação, e também na sua religião, sendo ele um cristão (o Cristianismo, com todas as suas ramificações protestantes, é forte e crescente na Coréia do Sul). Pietà é um filho direto desse homem e cineasta, como não poderia deixar de ser. Nele temos os traços característicos do diretor, já revelados em filmes como Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera, Casa vazia e O arco: O uso de silêncios, com personagens intensos mais taciturnos (quase sempre marginais na sociedade), apresentando o sacrifício pessoal como tema, assim como a busca por um perdão, tudo embalado por um ritmo lento e minimalista, que exige paciência e atenção do espectador. Seus filmes não chegam a ser por demais complexos, mas é inegável que seu público-alvo é restrito, numa época onde o espectador é acostumado por anos a receber adrenalina pura de filmes frenéticos. Enquanto em outros filmes o espectador sente-se como numa Ferrari a trezentos por hora, fazendo as curvas de lado, com Kim Ki-Duk é como se passeasse a pé por um horizonte silencioso e de pouca esperança, mas do qual o cineasta conhece muito bem.

Em Pietà acompanhamos a trajetória de Gang-Do (Lee Jung-Jin), um cobrador de agiota frio e muito violento, que não sente a menor dor na consciência de aleijar clientes desesperados, que não conseguem pagar os juros absurdos de seus empréstimos. Um homem implacável desses não parece ter nenhum calcanhar de Aquiles, por não ter nada a perder, sua vida é de um vazio existencial muito grande, até por não ter ninguém que se importe com ele, e vice-versa. Isso até aparecer a figura de Mi-Son (Jo Min-Soo, de ótima atuação), que assume-se como sua mãe que lhe abandonou quando Gang-Do era um bebê, e parece buscar seu perdão e aceitação. A trama, assim, passa a acompanhar o quanto Gang-Do aceitaria, ou não, uma figura materna dessas, e o que teria a ganhar e a perder com isto. E o quanto sua possível mãe aguentaria de maus-tratos de um filho abandonado por tanto tempo. Tudo isso embalado em um sub-texto de crítica ao Capitalismo, que segundo o diretor permitiria que pobres trabalhadores fossem explorados por figuras como Gang-Do, sem quase nenhuma defesa. Algo que ele cansou de ver em sua juventude.

Kim Ki-Duk conduz o filme com maturidade. É um de seus melhores filmes mas, estranhamente, também é um dos que apresenta um pior ritmo, cansando o espectador no que parece um filme um pouco esticado, e por vezes repetitivo. O começo do filme, muito impactante, apresenta algumas cenas de forte impacto, mas o miolo do filme perde um pouco o embalo e causa uma certa fadiga, mas os espectadores mais resistentes são premiados com um final significativo. Alguns traços do cinema de Kim Ki-Duk, que irritam certos grupos, continuam presentes: Os maus-tratos gratuitos contra animais, a misoginia ancorada até em agressões sexuais... Não é à toa que muitas feministas não o suportem em seu país, e que ele perca ainda mais público com isso. Talvez o Leão de Ouro em Veneza, conquistado por seu trabalho em Pietà, o primeiro prêmio de grande expressão de um filme coreano, melhore um pouco o cenário e a receptividade para Kim Ki-Duk, dentro e fora de seu país. Prêmio esse, aliás, que ele foi receber com seus tênis gastos, mesmo em um cenário tão imponente e em um momento tão importante para o Cinema de seu país. Assim como em seus filmes, na vida Kim Ki-Duk não pode, e nem quer ou aceita, fugir de si mesmo. Ele continuará sendo ele mesmo, para irritação ou fascinação de seus detratores e admiradores, respectivamente.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Cosmópolis (Cosmopolis - 2012)





Eric Packer (interpretado por Robert Pattinson) é um bilionário que vaga pela cidade em sua limusine, em busca do capricho de cortar o seu cabelo no outro lado da cidade, mesmo com o mundo desabando ao seu redor. Em uma jornada típica de Ulisses, de James Joyce, ele vaga pela cidade, no decurso de um dia, se encontrando com sua gélida esposa (a bela Sarah Gadon), com prostitutas, com seu funcionário, com seu médico (faz exames médicos diários), ignorando ao máximo os protestos e reverberações de um sistema capitalista caindo aos pedaços. Sua limusine é vital nesse sentido pois serve como uma bolha, ou um bunker ambulante, que o protege de tudo, inclusive dos sons vindos de fora. Vive acompanhado de seu guarda-costas  (Kevin Durand, o Keamy de Lost), que se torna cada vez mais um estorvo, pois este tenta proteger Packer do que parece seu último propósito: A busca de uma emoção real, nem que seja através de uma caminhada auto-destrutiva que leve à perda de todo o seu dinheiro (Packer parece não se importar em perder bilhões em um dia), ou ao risco de levar um choque ou um tiro.  

Neste novo estranho mundo dirigido e roteirizado por David Cronenberg (adaptado do livro homônimo de Don DeLillo, muito criticado na época de lançamento, mas que ganhou mais relevância com a crise de 2008), os diálogos correm soltos, mas não são realmente diálogos. São monólogos testemunhados. Packer é o exemplo maior disso, mas ninguém realmente conversa com ninguém. Não parece mais haver o sentido de coletivo, de pertencimento ao que quer que seja. Só restam indivíduos, uma massa cada vez mais sem ocupação ou propósito de vida, e uns poucos abastados que andam de limusines luxuosas e pouco se importam com os outros (e até com eles mesmos). Dentro da limusine há proteção e conforto, mas não há vida. É um mundo moribundo, esperando apenas a eutanásia final.

O grande desafio de fazer um filme com semelhante tema é conseguir engajar o público. Se o tédio dos personagens é visível, se a inconsequência deles com seus destinos reina, como tornar isto interessante? Para complicar a já difícil tarefa, os diálogos, a base do filme, que poderiam funcionar melhor no texto escrito, perdem impacto na tela. Não alcançam o resultado prometido, e nem geram grandes questionamentos no espectador, por serem disparados a toda hora. E isso causa estranheza, pois Cronenberg sempre foi um cineasta de forte impacto visual, mas Cosmópolis talvez seja seu filme mais fraco neste sentido, pois há uma certa subordinação da imagem pelo diálogo, e como este não é realmente participativo, acaba por alienar o público. A presença de vários atores de renome (Juliette Binoche, Mathieu Amalric, Paul Giamatti, etc.) pouco ajuda, pois suas participações são pequenas e pouco marcantes, com a exceção da de Paul Giamatti (o melhor ator do filme disparado, até por ter a “permissão” de sentir, de se emocionar). Robert Pattinson, que segue sua jornada de mostrar que não é só um vampiro branquelo (já interpretou Salvador Dalí em Poucas cinzas, e esteve convincente em Água para elefantes), faz o possível, mas parece ter sido sabotado desde o princípio pelo tema anestesiado do filme, e por essa postura de Cronenberg de relegar a um segundo plano o apuro visual, em detrimento do texto.

Cosmópolis talvez seja o primeiro filme de Cronenberg sem uma cena marcante, daquelas que fiquem na memória do espectador, por muito tempo. Cineasta de inegável talento, e diretor de vários grandes filmes (dentre eles o recente Um método perigoso, o que demonstra que ainda está em plena forma), espera-se que Cronenberg volte a fazer o que sempre fez de melhor: Envolver o público, ao mexer com suas angústias e pavores. É quase impossível fazer isso com um filme em que os personagens mal sabem o que é se emocionar...